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Ana Maria estava sentada em um colchonete jogado no chão rebocado e úmido. Ela acariciava sua enorme barriga já com nove meses, imaginando como seria o rosto daquela criança ao mesmo tempo desejada e rejeitada. Vestida com uma camiseta de algodão branca, daquelas ganhadas em campanha eleitoral, bermuda de lycra que um dia foi preta, já desbotada com as inúmeras lavagens, e um chinelo de borracha. Ela tremia de frio, naquele barraco úmido de madeiras podres, chão batido, e telhas rachadas. O ar frio passava pela casa cortando afiadamente o que era considerado como abrigo, ali faltava mais que o essencial.
As primeiras contrações começaram, Ana Maria estava sozinha, os seus gritos eram abafados por todos os outros que ecoavam daquela favela. Ela era somente mais uma miserável em meio a tantos outros que lhe cercavam.
As contrações aumentavam rapidamente, cada vez mais intensas com seus intervalos cada vez mais curtos. Já não havia como esperar, e com uma força inexplicável, que ela não sabia de onde havia tirado, levantou-se fazendo muita força e sentindo muita dor. Bem devagar conseguiu colocar-se de pé, com a mão nas costas para aliviar o peso de toda aquela barriga.
Decidiu que não ficaria mais ali, que ia procurar ajuda, e tinha que ser rápido, a mensageira dentro da sua barriga tinha muita pressa de vim ao mundo.
(continua)